quarta-feira, 16 de junho de 2010

Balada

Pode vir que eu ainda estou verde
Pode cair que eu não levanto fácil
Pode fechar que já está destrancado
Quem sabe da sombra do pé de carambola
Que refrescou o suco amarelo na calçada
Sobre a qual bicicletas com rodinhas deixaram de ziguezaguear
Quem sabe do vento que bateu na moleira
No final da tarde de junho sob o poste de luz
Virado pro gramado do campinho de futebol
Que servia de arraial das festas de santo
Quem sentiu o frio que entrava pelas venezianas
E congelava o acordar pra ir à escola
Que de casa ficava a uns cinco minutos correndo
Antes que o sinal terminasse de bater pela terceira vez
Pode deixar que eu não vejo
Pode soprar que não termina de doer
Pode moer que se esvai em sangue
Quem pode me dizer das conversas em família
Do terror doméstico pra manter o pátrio poder
Uma brincadeira de mau agouro a destoar do azul
Um vermelho estragado pra não refletir a paz
Um azedume pra cheirar apenas do lado de dentro
Quem sabe eu não tivesse visto tudo isso
Quem sabe dos amigos que estão lá fora me esperando
Quem sabe da turma da quadra vizinha atiçando a vã valentia
Do cerol que levou a pipa construída com tanto labor
Pode bater que não me movo
Pode falar mal que eu vou te amar
Pode tentar me beijar que eu não tenho pele
Quem pode saber da raiva de ter que ir dormir
Antes do melhor filme do mundo terminar na TV
Porque só as nossas veias sabem do sangue que corre ali
Porque se eu tivesse noção das coisas àquela época
Se eu tivesse o controle motor e emotivo da bordoada
Da louca batida que pega a gente de jeito
Do jeito que a mesma comida que faz mal
Mata a fome e leva a gente pra cama da plenitude
Pode deixar de lado o lado de fora
Pode tentar sentir a alegria do outro
Pode me abandonar no meio do escrutínio
Que eu vou escolher um dos caminhos
E será sempre o certo e o errado
E o certo será quase bom e o errado um tanto ótimo
Que nem sempre a gente consegue dizer tudo aquilo que devia
E quem quer dizer tudo acaba não tendo o que dizer a si próprio
Mas tá tudo bem embaçado aqui
E quase tão nítido que sinto minhas mãos tremerem com o pulso
Num ritmo preciso e retido no tempo
E tudo isso já basta