quarta-feira, 7 de julho de 2010

À mesa

Par delicatesse j'ai perdu ma vie" (Rimbaud)

Pôs-se à mesa da sala
a toalha e a comida
o descanso e os pratos
no sal a própria vida

quem quiser que se cale
mudez real escarnecida
mais vale a pausa musical
que esperar pela oitiva

em cada colher servida
ato pensado e refeito
em quantidade medida
a cada um o de direito

ficou decretada em lei
a sobra está proibida
mesmo se carne moída
melhor fingir que gostei

sorriso crispado no chão
ouvidos atentos ao sino
quem sabe todo o corão
ou de cor aquele hino

se o dever tá correto
bom pra quem o refez
mas se a nota foi ruim
vai ser o castigo da vez

sapato roto e surrado
meia encardida ou perdida
pode esperar que a chinela
vai doer bastante (a maldita)

só não entendo por quê
a luz do quarto acesa
lá dentro a gritaria
Da infantaria avessa

brigam e depois desbrigam
acabam sempre se aturando
do nosso lado o rigor
vai aos poucos aumentando

(na mesa o discurso reto
no rosto a natureza morta
no sopro o cheiro azedo
no pranto a vida torta)