domingo, 20 de dezembro de 2015

O beijo da mulher aranha

O resto de vinho deixado na taça
A noite anterior em sua gentileza
Seu sorriso elegante e áspero
Mulher aranha a secar seu beijo

Branca é a nuvem de incertezas
Com todas as cores que me cegam
Um dia eu peço a conta e deixo
Uma coroa de flores amarelas

(Preciso morrer pra saber se estou vivo)
Que amor é esse, sem viço - sem exclamação
Em que a dor do conforto
Corrói-se de inveja da solidão?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A senhora

Fumava por uma piteira longa que segurava com a mão nua. Soltava longas baforadas e segurava a luva da mão direita (a da piteira) com a mão esquerda (vestida com luva).
Acompanhava o bolero com um leve balanço de pé. A senhora tinha a maquiagem pesada e borrada. O garçom que lhe oferecia um Martini ou um suco de uva esperou ser notado. Desistiu. Mas quando se virou pra ir oferecer bebidas a outras pessoas, ela o cutucou, agarrou o drink vermelho e o bebeu de uma vez.
A senhora havia chorado. Chorado muito. Queria uma companhia possível. Seu filho poderia ter cedido e vindo. Puxou uma cadeira e sentou-se. Há algumas horas a conversa havia transcorrido da seguinte forma:
“Desde que seu pai morreu, tudo que eu queria era cuidar de você. Mas o tempo foi passando e passei a querer cuidar de mim também. Agora, que poderia voltar a dançar... isso.
Isso o quê?
Não consigo mais. Sei que saberia se tentasse, já dancei tanto, você sabe. Mas preciso ter uma razão. Precisa fazer sentido. Hoje vou tentar de novo. Vários cavalheiros me pediram a dança na semana passada. Não consegui dizer sim.
Entendo.
Mas lá, ninguém conseguiu entender. Vesti meu vestido vermelho, meus sapatos de escarpem. Depois de um tempo percebi que algumas pessoas olhavam pra mim incomodadas. Hoje, vou tentar de novo. Queria pedir pra vc ir comigo. Vc iria?
Tenho um compromisso. Acho que não.
Por favor.
Não. Eu também não conseguiria. E nem sei como vc conseguirá.
Pode ser importante pra ti também.
Eu prometi nunca mais voltar lá, depois daquele dia. Pra mim vai ser impossível.
Vem comigo. Vamos tentar juntos.
Você deveria ter vergonha de voltar àquele local. Pra mim, é um lugar amaldiçoado. Eu era criança e tenho pesadelo até hoje, você sabe. Quem mandou me levar a um programa de adultos? Eu não deveria estar lá. E agora, votar, de jeito nenhum. Pode ser importante pra você ir. Mas, não ir, é mais importante pra mim. Nunca voltei e não voltarei”.
A senhora estranha em pé no meio do salão, do salão de dança, de dança de salão, a senhora de vestido vermelho com arremates de pele e plumas pretas.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Recife

O problema é quando a intenção é boa demais, mas a realização não depende de boa vontade. Ao se perder na areia de Boa Viagem, via bem devagar o saboroso vagar da plenitude. A chuva caiu. Pouca mas insistente pra mostrar que as regras devem ser seguidas. Se o amor foi construído a duras penas e sem amálgama, sem questionamento, sem a água suficiente pra deixá-lo úmido e maleável, quem poderá moldá-lo? Quem poderá alimentá-lo de outra forma? Que dieta encontrará a textura da folha que cai no mangue repleto de expectativas?

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Bukowsky

Eu tô realmente, cara, eu tô realmente
Cara, eu tô que tô, cara, totalmente
Na real, tô de cara comigo mesmo
De tá na cara que eu tô mesmo
Botando pra (me) fuder. Mesmo sem querer
Porque querer é poder se fuder, e eu, cara,
Caralho, realiza, tô com a mente confusa
Me fudendo de realidade sem poder
E que realidade fundida em mim
Estando todo embotado na mente
A me esfolar, de cara, a cara ainda
Sem poder esconder a realidade
Nem mostrar toda essa confusão:
A mente a me deixar na berlinda
E eu a me jogar no chão

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Dança

Enquanto dava as três voltas em torno da árvore
Muitas folhas caíram ao meu próprio outono
Retorci a lembrança rarefeita do tempo findo
E, de repente, sem que pudesse evitar, raízes e cascas soltaram-se das minhas canelas.
Eram coisas assim, meio empoeiradas, quase invisíveis
Um farfalhar de nada no chão,
Qual enceradeira a embaralhar os dedos dos pés.

Depois, cessou o rodopio e ouvi um chistoso piar do alto
Um rouxinol a indagar por que tanto movimento
E a árvore parada a me negar, solene, a oportunidade da contradança

Atento ao vento que finalmente se espalhava
Entre rodopios de cima-baixo, direita-esquerda
Pedi que tantas pernas e braços se organizassem
Pra eu me achar naquele estranho reboleio
Pra eu me agarrar a um gesto qualquer
Que mesmo contorcido e um tanto controverso
Possa me dizer do ritmo e qual direção tomar,
Minimamente, mesmo a guisa de improvisação
(eu que não sei dançar, eu que não sei falar)
Finalmente, convidar tal jardim imenso pra dançar