quarta-feira, 22 de julho de 2009

Primeiro movimento

Uma nota aguda.

Posso te dizer alguma coisa sobre o começo dessa obra? Normalmente uma obra musical nasce dos sons graves, que remetem ao chão, à base, aos pés, a algo que nasce e depois cresce. No entanto, esta sonata surge de um zumbido do vento, um chamado do céu, do além, de algo que já existe, de um som que vem de muito longe, de um som que atravessou o tempo e persiste nesta vibração alta e suave. Entendeu? Bom, toca.

A nota aguda e uma frase doce começando com um lá.

O lá tem esse papel iniciativo, definidor de afinação, do registro médio, do caminho do meio, percebe? É ele, o lá, que vai te conduzir ao evento que se desenrola ao longe. A frase em cantábile deve soar como um assovio melancólico, e não como o início de um drama. Fecha os olhos e imagina um deserto com areia branca, um vento vindo do infinito, a areia movendo a topografia e você... você sozinho esperando algo ou alguém.

A frase cantábile e novamente a nota aguda longa. Silêncio.

Isso. Mais silêncio, mais imobilidade, menos respiração, se possível. Isso foi só o começo. É do nada que essa história vem chegando pra você.

Como um ruído, uma progressão de sons médios e, de repente, três acordes dissonantes em fortíssimo.

Pronto, agora você não está mais sozinho, a partir de agora a força da natureza anuncia sua presença nessa trindade sonora. Trombetas, sinos, relâmpagos, o que você quiser. Tem algo que está para acontecer, ou para chegar.

A mesma frase cantábile agora com caráter resoluto, decidido.

Você pode ver? Abra mais os olhos... ou os feche totalmente pra poder escutar com máxima acuidade. Cada nota com nitidez. Isso que você vê ou escuta é forte, é grande, e te toma por inteiro. Da ponta dos pés até o cabelo. A incerteza acabou. A noite é clara, e a música emite sua própria luz ofuscante. Não é mais uma questão de defesa ou ataque, você tem domínio da situação e conduz essa história. Não existe mais o fora ou o dentro, é você que finalmente se toma por inteiro e se torna alguém. Vamos, toca e me diz quem você é. Toca.