quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Quarto

Quando eu a conheci num corredor de faculdade, tudo que imaginei foi o dia em que ela entraria no meu quarto. Sentado na cama sobre o edredom bege quadriculado, esperando a campainha tocar, mais uma vez:
1. Ela vai chegar e vai querer colocar a bolsa em cima da mesa, e dar aquela espreguiçada virando todo o corpo pra trás. Aí vai perguntar o que eu estou pensando, e vai soltar o cabelo. Eu não vou dizer nada e continuar olhando fixamente pra boca dela que é a parte dela que eu mais gosto. Ela vai querer me mostrar alguma linha de contrabaixo que ela anda compondo, só pra dar a impressão que nem tá tão afim, que por sua vez é pra dar a chance de eu tomar a iniciativa. Vai ligar o ipod e sentar ao meu lado encostando todo o lado da sua perna na minha. Vou perguntar se ela não quer que eu feche a porta e ela vai dizer que sim e vai sugerir que eu apague luz. Quando eu levantar pra fechar a porta, vou ascender o abajur e abrir a janela, tá quente, não ta? Ela, parada vai continuar olhando pro ipode e responder unrhumm, balançando a cabeça. Eu vou beijar levemente a nuca dela, ela vai olhar pra mim. Eu vou olhar bem dentro de cada íris, de cada pupila dilatada e me perder dentro daquele mar insondável.
2. Ela vai chegar e colocar a mochila em cima da cama enquanto ascende um cigarro.
Eu vou apanhar o cinzeiro e abrir apenas uma fresta da janela - faz frio, venta.
“Acho que vai chover...” vai comentar sem olhar pra mim.
Detesto quando ela ascende o cigarro dentro do quarto.
“Sabe aquela música do Blur que eu tô tirando no baixo?”
“Não”. A fumaça azulada vai vir em minha direção.
“Ajuda a tirar minha bota?”
“Ajudo. Mas primeiro tira elas de cima da cama”.
Ela vai olhar pra mim séria, obediente. Eu vou desamarrar os cordões da bota pacientemente. Ela vai me contar como é que foi mal atendida no banco. Eu vou soprar a fumaça pra longe de mim e abrir um pouco mais a janela. Ela vai descrever como brigou com um cara no trânsito, como saiu do carro e botou o dedo na cara dele, não viu meu carro não?
“Me dá o outro pé”.
“Filho da puta, ainda ficou dizendo que eu tava nervozinha”.
Eu detesto quando ela fica nervozinha e aperta o lábio.
Vai olhar pro teto, estalar os dedos e dar aquela espreguiçada pra trás com os pés no meu colo.
“Tua meia tá molhada”.
Ela vai tirar os pés do meu colo.
Vou olhar pra janela. “Não vai chover “.
“Unrhumm”, ela, de olhos fechados.
Eu de pé: “Vou dar uma saída”.
“Tá.” E vai ligar a televisão.

3. O tempo vai passar e a campainha não vai tocar.